Os contos de fadas são histórias criadas há muito tempo, muito antigas. E elas mudam conforme a cultura do local onde estão sendo contadas: No Egito, o sapatinho da Cinderela é de couro vermelho; já nas Índias Ocidentais é uma fruta-pão e não uma abóbora que é transformada em carruagem, e por aí vai.

Nos relatos dos irmãos Grimm, a heroína se chama Aschenputtel, e seus desejos se realizam não pelo balançar da varinha de uma fada madrinha, mas por uma avelã que cresce no túmulo de sua mãe, que ela rega com suas lágrimas. Quando o príncipe tenta encontrar o delicado pé que irá caber no único sapatinho (que é de ouro e não de cristal), as irmãs não só forçam e gritam para que seus pés entrem, mas os desmembram: uma corta fora o dedão, a outra corta uma parte do calcanhar. E, no final da história, o casamento de Cinderela com o príncipe inclui dois pássaros brancos, que em vez de cantarem alegremente ‘Cinderela’ a caminho do ‘felizes para sempre’, bicam os olhos das irmãs.

Os Grimms, no entanto, haviam montado a coleção como uma antologia acadêmica para estudiosos da cultura alemã, não como uma coleção de histórias para ninar jovens leitores.

Os irmãos nasceram com um ano de diferença em Hanau, no estado do Sacro Império Romano de Hesse-Kassel (na atual Alemanha, perto de Frankfurt). Em 1796, poucos dias depois que Jacob, o mais velho, completou 11 anos, seu pai morreu repentinamente de pneumonia, levando a família de seis filhos da classe média para a pobreza.  Após 2 anos, , Jacob e Wilhelm saíram de casa para cursar o ensino médio em Kassel, um privilégio possível graças ao apoio financeiro de uma tia. Os irmãos estudavam até 12h por dia.

Depois de se formar, Jacob mudou-se para Marburg em 1802 para estudar direito na universidade; Wilhelm o seguiu um ano depois. A dupla entrou na universidade com a intenção de repetir a carreira do pai no direito e no serviço público. Mas, identificando-se com o “povo” trabalhador, eles descobriram uma vocação que definiria suas vidas e legado.

O professor Friedrich Karl von Savigny, da Universidade de Marburg, despertou o interesse de Jacob e Wilhelm na história e na literatura alemãs. Savigny apresentou os irmãos ao seu círculo acadêmico que incluía Clemens Brentano e Achim von Arnim, escritores alemães influenciados por Johann Gottfried von Herder, filósofo que pedia uma redescoberta e preservação de Volkspoesie, a poesia popular.

Jacob trabalhou como assistente de Savigny em Paris, coletando documentos sobre literatura, costumes e leis alemãs. Jacob e Wilhelm foram prolíficos escritores de cartas durante seus raros momentos separados, e, enquanto esteve em Paris, Jacob escreveu a Wilhelm em Marburg sobre seu desejo de dedicar sua vida ao estudo da história literária alemã.

Arnim e Brentano publicaram uma coleção de antigas canções folclóricas alemãs, e Brentano, querendo continuar suas atividades filológicas, pediu ajuda aos Grimms para vasculharem as prateleiras das bibliotecas sobre contos populares. Os irmãos encontraram alguns textos nos livros, mas também se concentraram nas tradições orais, procurando contadores de histórias entre amigos e conhecidos. A maioria era de mulheres, e uma delas, Dorothea Wild, mais tarde se casaria com Wilhelm. A pessoa que mais contribuiu para a coleção dos Grimms foi Dorothea Pierson Viehmann, cujo pai possuía uma pousada popular perto de Kassel. Ela compartilhou as muitas histórias que os viajantes contavam a ela.

Brentano não usou os 54 contos que Jacob e Wilhelm lhe enviaram em 1810, mas Arnim pediu que eles publicassem a coleção mesmo assim. Publicado em 1812, Contos Infantis e Domésticos não foi um sucesso imediato. Mesmo assim, as publicações subsequentes de pesquisa filológica dos irmãos – dois volumes de lendas alemãs e uma da história literária alemã, entre outros – consolidaram sua reputação de inovadores estudiosos no campo.

Sete edições da coleção de contos populares foram publicadas ao longo de 40 anos.  A edição final, publicada em 1857, é a mais conhecida e é notavelmente diferente da primeira em estilo e conteúdo. Os irmãos afirmaram que coletaram as histórias com “exatidão e verdade”, sem acrescentar elementos ou detalhes próprios. Posteriormente, Wilhelm expandiu a prosa originalmente mais curta e mais escassa e modificou os enredos para tornar partes trágicas e sombrias das histórias mais acessíveis às crianças.

Embora os irmãos se tornassem um nome familiar por causa disso, Contos Infantis e Domésticos fez parte de uma busca maior: descobrir e preservar as formas orais e escritas da cultura alemã, para restaurar esse tesouro ao povo.

Texto originalmente publicado em nationalgeographicbrasil e adaptado pela equipe do blog Sabedoria Pura.