Pesquisadores descobriram como reverter os sintomas do autismo em ratos, simplesmente “invertendo” um gene como um interruptor de luz.
O transtorno do espectro autista é um distúrbio que se manifesta ainda na infância e leva as crianças a terem dificuldade de estabelecer relações sociais e a se comportarem de forma repetitiva e compulsiva em alguns casos. Assim como grande parte das doenças psiquiátricas, não existe ainda um exame ou um fator biológico específico que aponte a origem do problema. Especialistas do mundo todo concordam que a origem parece estar na união de fatores biológicos e ambientais, e diversos grupos de pesquisa buscam pelas peças desse quebra-cabeça e por tratamentos que amenizem os sintomas.
Embora a técnica esteja distante de testes em humanos, os resultados fornecem esperança de que uma abordagem semelhante possa eliminar alguns dos sintomas mais frustrantes para as pessoas com autismo.
Os cientistas fizeram com que um gene chamado SHANK3 não nascesse em ratos geneticamente modificados. Esse gene está faltando em 1% dos pacientes com autismo. Eles mostraram que, “invertendo” o gene, poderiam interromper diversos sintomas associados ao autismo, como a dificuldade de interação social e o comportamento compulsivo e repetitivo. A parte mais interessante é que a técnica funcionou tanto em ratos adultos quanto jovens, mostrando que o cérebro pode ser modificado, mesmo na idade adulta.
“Isso sugere que mesmo no cérebro adulto temos profunda plasticidade, até certo ponto. Há cada vez mais evidências mostrando que alguns dos sintomas são, de fato, reversíveis, dando esperança de que poderemos desenvolver um tratamento para pacientes autistas”, disse o pesquisador Guoping Feng, professor de Ciências Cognitivas e Cerebrais no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), EUA, que publicou sua pesquisa na Nature.
Os cientistas passaram décadas tentando desvendar quais genes contribuem com o grupo de doenças neurodegenerativas, como o autismo, que tornou-se cerca de 10 vezes mais comum nos últimos 40 anos. Embora a doença ainda seja muito desconhecida, o que sabemos é que SHANK3 está faltando em torno de 1% dos casos e codifica uma proteína que funciona nas sinapses entre as células cerebrais, sendo crucial para a comunicação de forma adequada.
Quando os pesquisadores criaram os ratos sem SHANK3, descobriram que as células do cérebro de ratos não cresceram adequadamente, em particular no corpo estriado – envolvido no sistema de recompensa do cérebro. Os ratos também mostraram comportamentos característicos encontrados em perturbações do espectro do autismo, tais como ansiedade, repetição compulsiva de tarefas, e evitação social.
Ao trocar o gene, estes comportamentos foram dramaticamente revertidos, e os ratos começaram a interagir uns com os outros, mostrando comportamentos menos repetitivos. Os cientistas foram capazes de mudar o gene em ratos simplesmente ministrando-lhes a droga tamoxifeno, usada contra o câncer de mama.
Em um nível celular, os pesquisadores notaram aumento no número de espinhas dendríticas – pequenos ramos que os neurônios usam para se comunicarem uns com os outros – no estriado, o que sugere o gene realmente havia sido “religado”. Mas, apesar de alguns dos sintomas terem sido eliminados em ratos adultos, eles continuaram enfrentando problemas de ansiedade e de coordenação motora. Assim, a equipe descobriu que esses sintomas só poderiam ser revertidos em uma fase inicial da vida – apenas 20 dias após o nascimento. Isso sugere que há um período crítico durante o qual certos comportamentos do autismo ainda são maleáveis.
Agora, a equipe está tentando entender melhor quando isso acontece, na esperança de descobrir como reverter os sintomas do autismo em uma ampla gama de indivíduos, e não apenas no 1% de pacientes com ausência de SHANK3.
Também há muito mais trabalho a ser feito antes que o tratamento possa ser testado em humanos, e o cérebro do rato não é idêntico ao nosso. Apesar disso, muitos caminhos genéticos envolvidos no desenvolvimento do autismo são semelhantes.
“A combinação de comportamento, circuitos, fisiologia e genética é bem parecida”, disse o neurocientista Gordon Fishell, da New York University School of Medicine, que não estava envolvido na pesquisa. “Além disso, a demonstração de Feng de que a restauração da função SHANK3 inverte sintomas do autismo em ratos adultos, sugere que a terapia genética possa revelar-se uma terapia eficaz para a doença”, acrescentou ele.
FONTE jornalciencia.